Hoje é a ultima publicação deste ano, e como tal quero "falar" sobre um assunto que sinto que é abafado pela nossa sociedade, quero falar sobre transtornos alimentares que nos podem levar à morte ou deixar-nos com lesões físicas/emocionais para toda a nossa vida. Quero falar sobre a anorexia e bulimia. Dois transtornos – não apenas alimentares, mas também emocionais – ligados à distorção da nossa própria imagem.
A preocupação na busca pelo que consideram um corpo perfeito, torna-se uma obsessão a ponto de interferir brutalmente na alimentação, levando a pessoa a actos extremos no seu relacionamento com a comida.
Somos bombardeados todos os dias pela imprensa que dita uma ditadura da beleza e da moda, levando-nos a esquecer o mais importante que é compreender que não se trata de ser magro, mas sim ser saudável.
Obrigar estas pessoas a comer não basta. É preciso ir ao fundo da questão. Ouvir cada uma destas pessoas, compreender os seus medos, seus anseios e entender em que ponto da jornada a comida se tornou como uma inimiga para elas.
Julgar é fácil. Afinal, com as dores dos outros podemos nós bem, agora, quem está em processo de emagrecimento não pode esquecer que é fácil cair na anorexia, e falo na primeira pessoa, eu perdi peso, perdi 13 kg, de forma saudável, agora não posso deixar de referir, que muitas pessoas olharam para mim e disseram-me que eu podia ainda perder ainda mais quilos, se eu não tivesse a certeza do que estava a fazer, certeza do caminho a percorrer podia muito bem entrar numa busca doentia pelo peso "certo".
Eu que neste momento estou novamente aceitar um novo corpo, um novo estilo de vida inclusive alimentar, novos hábitos e ainda levo com a pressão do exterior em como posso fazer melhor? Como se houvesse melhor do que fazer as coisas de uma forma saudável #prontofalei, tinha isto engasgado na garganta há muito.
Temos de ter sempre em mente de que o nosso real valor vai além da nossa aparência, que o corpo é importante, mas o equilíbrio corpo-mente é muito mais!
É aquele cliché mesmo - um corpo bonito é aquele que tem uma pessoa feliz dentro dele.
Vamos compreender melhor os mecanismos de cada um destes distúrbios . . . e para compreender melhor convidei alguém muito especial para mim para dar o seu testemunho . . .
Ana Paula, uma menina com 18 anos que eu conheci através do seu instagram . . .
Conheçam a historia desta menina tão nova e trava já algum tempo uma grande batalha e de tão guerreira que é aceitou partilhar o seu testemunho com todos nós para que possamos estar alerta com os sinais que podem estar mais próximos de nós do que possamos imaginar . . .
#fightmeninadeouro From Portugal 🇵🇹 18 years Anorexia Recovery Runner 🏃 1x 🏥 LW: 37 Kg CW: 48.2 kg . . .
"Bem, tudo começou aos mais ou menos á 5 anos, quando entrei no 10º ano. Naquela altura, tinha 55kg e 1,60kg, mas não me sentia bem comigo mesma. Achava que tinha as pernas gordas (porque tocavam uma na outra) e, tinha (ainda tenho) um estigma com a barriga, mas sei que naquela altura tinha aquela banhinha que toda a gente tem.
(fotos antes de perder peso)
Mas era algo normal, estava a entrar na adolescência e o corpo ainda está em desenvolvimento, só que, meti na cabeça que tinha de perder peso para entrar em grande no secundário. Nesse verão, comecei a correr (no inicio comecei a correr, para perder peso, mas agora amo correr e sou federada), além disso, fazia também uma caminhada depois do jantar, 20 minutos de pilates, 10 minutos de exercícios para abominais e no fim uma massagem drenante, isto porque estava de férias de verão e tinha tempo.
(verão em que perdi muito peso)
Na parte da alimentação, comecei a cortar nos sumos, nos doces e salgados (só comia uma vez por semana), mas até aí tudo bem. Só que comecei a pesquisar mais, e percebi que perdia peso se cortasse nos hidratos, ora foi o que fiz. Nesse verão cheguei aos 41kg, perdi a menstruação e as pessoas começaram com aqueles comentários de "estás tão magrinha", "nem pareces a mesma", "nao comes?", pessoas essas que quando era pequena gozavam comigo por ter pneus "Michelin". Mas aqueles comentários nao me diziam nada, porque quando meto uma coisa na cabeça, levo-a até ao fim e naquele momento o objectivo era perder peso.
Lembro-me que, passei a comer apenas 7 maçãs por dia, não comia hidratos e até a proteína era restrita. Iogurtes estavam eliminados, o pão, fiambre e queijo também. Os meus pais ficaram preocupados e levaram-me ao médico, fiz análises e estava tudo bem, só tinha de ganhar um bocado de peso, mas naquela altura o bicho já estava lá.
Então, o médico deu-me umas vitaminas e aumentei até aos 45 kg, mas tinha de aumentar mais, coisa que nunca aconteceu. Cada vez via mais gordura em mim e mais necessidade de fazer exercício para compensar, bem como comer menos. Depois vieram as compulsões alimentares. Como estava em restrição, quando me permitia comer algo, o mundo ia abaixo.
Uma vez comi bolachas estragadas, todos os chocolates que havia e até rissóis (coisa que não gosto). No dia seguinte era sempre a mesma coisa, “ não podia comer” e tinha de desgastar: era corrida em jejum, muito café ou chá, e se tivesse fome? Aguentava!
O meu mundo passou a ser: exercício e planear aquilo que podia ou não comer (usei o myfitnesspal e fazia contas de possíveis coisas que iria comer no dia seguinte, para fazer o calculo de ingestão diária).
O cabelo caiu muito, fiquei com a cara muito seca e muitas vezes não saia com os meus amigos porque tinha medo do que iria comer ou porque não ia fazer o exercício diário.
Também tinha um caderno que apontava tudo o que comia, e todas as caminhadas que fazia.
Nunca vomitei! Os médicos acham estranho, mas é verdade e foi comprovado (com analises que fizeram), porque é algo que não consigo fazer. Apenas não comia.
Depois dessa fase, tinha já eu os 45kg e já andava no 11º ano, entrei para o atletismo, mas com a condição de não perder peso. No inicio era tudo bom e consegui manter, mas de um momento para o outro, voltou tudo outra vez, até que aquilo que comia não era suficiente para o desgaste: tinha treinos todos os dias, 3 vezes por semana eram de séries, 2 de longa duração e um especial: 40 minutos de corrida + 1 hora de treino de força.
Tudo podia ter corrido bem, se me soubesse alimentar. Cheguei a tal estado, que ia para os treinos e ficava chateada se o treinador me mandasse correr menos tempo. Nos dias a seguir às provas, treinava como louca, sem dar descanso ao corpo. Mesmo depois das provas não comia quase nada. O que deu? Uma anemia gravíssima, e sei bem o que passei, nem me podia arrastar, mas uma coisa é certa, treinei todos os dias.
(antes de ser internada)
Fui internada no dia 22 de Dezembro do ano passado e no dia anterior tinha feito 8km. No dia em que fiquei internada tinha levado o saco de treino porque iria treinar (a minha mãe disse que sabia que ia ficar lá, mas deixou-me levar na mesma). Quando recebi a noticia, agarrei-me á minha mãe a chorar para não ficar lá. Recebi como resposta o seguinte: isto é o melhor para ti, não conseguimos tratar de ti assim, é preciso ajuda. E assim foi!
Passei a noite sozinha a chorar, e perguntar-me no “porque a mim”. Os médicos estavam espantados de como conseguia ter boas notas (fui das melhores alunas), treinar todos os dias e não comer quase nada. Como era possível? Fui internada, com a pulsação baixíssima e quase sem sangue (fiquei com o braço negro para fazerem a colheita).
Mas não queria passar o natal lá, e no dia 23 só pedia os médicos para ir passar o Natal a casa, não me importava de voltar depois, mas queria passar o natal com a minha família.
(depois de sair do internamento, cerca de 3 meses, ainda não tinha 40Kg)
Felizmente tive uma equipa confiou em mim e deram-me esse voto de confiança, mas na semana seguinte tinha de ter mais peso. Foi o que fiz!
A ceia de natal custou horrores, porque toda a gente comia, e eu ainda com aqueles macaquinhos. Mas o pior era depois, ver as pessoas a fazerem restrições e eu ter de comer. No dia da pesagem, estava tão nervosa que só perguntava á minha mãe se iria ficar lá. Mas isso não aconteceu, tinha aumentado meio quilo e pude ficar em casa.
Desde ai, tive um plano alimentar (feito comigo e de acordo com aquilo que gostava de comer, sendo que, as quantidades foram aumentadas gradualmente), uma psicóloga, uma psiquiatra, uma médica de medicina geral, que nunca me irei esquecer dela, e além disto tomava antidepressivos. As pesagens eram semanais, e aumentei em todos os momentos.
Claro que tive aquela fase de fazer exercício às escondidas, mas nessa semana aumentei menos do que aquilo que seria esperado e então, parei e deu-me aquele clique para recuperar.
Quando estava mais ou menos encaminhada, as pesagens passaram para 15 em 15 dias e depois mensais.
Comecei a gostar de mim e já não gostava de me ver magra, então tinha de comer. Alem disso, queria começar a correr. E foi assim, quando cheguei aos 42kg, a medica deixou-me correr 2 vezes por semana, mas não podia perder peso. O que aconteceu? Aumentei ainda mais que o esperado, porque quando quero uma coisa, luto! E se queria correr, tinha de comer!
Como tudo correu bem, ela deixou-me começar a correr 3 vezes por semana e fazer exercícios de reforço muscular, e por fim, como me consigo orientar, podia fazer o que queria, mas claro sem perder peso.
(em Junho deste ano, no baile de finalistas)
(neste verão)
(Julho deste ano)
(Agosto)
(Agosto)
(Setembro)
Depois veio outra fase crítica, a entrada na universidade. Ia sair de casa, e viver longe dos pais. Eles ficaram muito alarmados de que tudo voltasse e eu tinha consciência de que se perdesse peso, não podia ficar fora de casa, algo que desejo desde muito pequena. Gosto de ser independente, claro que agradeço eternamente aos meus pais por tudo o que fazem e fizeram por mim, sem eles não tinha recuperado, mas gosto e sempre gostei da minha autonomia.
O que é certo, é que está a correr tudo bem. Porém, em Outubro deste ano, fui atropelada, e perdi um bocado de peso (penso que foi massa muscular), mas quando se quer tudo se consegue, e por isso, recuperei tudo normalmente.
Hoje tenho mais 12 kg, porque fui internada com 36kg. Alegria, auto-estima e muita motivação.
Agradeço eternamente a ajuda da minha família e especialmente dos meus pais, bem como daquele grupo de amigas que nunca, mesmo nunca me deixaram. Entretanto tinha criado esta conta de IG, para ajudar as meninas que andam a passar pelo mesmo, e já conheci imensa gente, aliás uma delas é minha colega de casa.
A equipa médica que me acompanha é excelente e foi também outro pilar, mas acreditem que, se não acreditarem em vocês não iram chegar ao objectivo.
Hoje em dia, tenho a noção de como estava e não quero voltar mais aquele estado, juro mesmo que não quero. Não só pela falta de saúde ou aparência, mas principalmente pelo estado de espírito, porque sou aquela rapariga que está sempre a cantar, gosta de sair, falar, rir e naquele momento não havia uma viva alma em mim, era só “aquele monte de ossos”.
O que sei é que, 10% das anorexias são mortais. Sim, esta doença é muito lesiva em todos os aspectos, eu própria que era atleta e tinha uma alimentação cuidada: fui alertada para a osteoporose e colesterol alto (devido á restrição).
Este verão, foi totalmente diferente, não me escondi (por causa dos ossos, sim, no ano passado tive vergonha do meu corpo – pelo estado degradante – e estive na praia de roupa).
Também o natal teve outra magia, comi 3 fatias de bolo e não restringi. Sim foi uma grande vitória, porque o meu maior medo é os doces (consigo comer uma pizza inteira, e sei que tem mais calorias que os doces, mas tinha medo).
Quanto ao acidente, recuperei muito bem e tenho a noção que se fosse á um tempo atrás, as coisas não seriam assim tão fáceis. Ainda não corro como corria, mas em breve vou voltar, só estou á espera que o osso cicatrize bem, pois o objectivo de 2017 é fazer uma meia maratona.
Não digo que estou totalmente recuperada, porque isso nunca vai ser possível, mas consigo viver com esta voz e já sei como dominá-la, e mesmo que, uma refeição seja menos boa consigo depois compensar.
(foto da semana passada, recebi o premio de melhor nota de entrada no curso)
O que interessa é sermos felizes e gostarmos de nós. Mas é preciso que o corpo esteja bem, se ele não estiver, a mente também não. Não estamos bem com os outros, e muito menos temos capacidade para fazer as coisas diárias (estudar, por exemplo).
Meninas, não se deixem ficar! Não se abatam! Não fiquem á espera que esta doença faça o que quer de vocês! “Deus dá grandes batalhas, aos melhores guerreiros” e se tens esta luta, é porque és capaz de a vencer!
Não tenham medo de comer, porque não vao ficar gordas de um dia para o outro, alias, vai ser muito difícil ganhar peso, porque o corpo está habituado a pouca comida e os primeiros tempos são difíceis.
Outra coisa que me esqueci de referi é que, sou adepta de uma alimentação saudável e uma medica disse-me que não ia ganhar peso a comer iogurtes magros e coisas sem açúcar. Lá esta, tive lhe provar que é possível e assim o fiz. Alem disso queriam que comesse bolachas Maria e iogurtes normais, coisa que não fiz, porque não acho que aquilo me iria fazer bem deixem de gostar de coisas extremamente doces, aliás acho uma estupidez pôr isso em planos alimentares para pessoas com distúrbios alimentares, porque temos medo de comer! E isso é dos alimentos que mais custam a uma pessoa comer, naquela altura.
Também os meus pais me disseram que não iam ganhar peso, com a corrida, mais uma vez mostrei que estavam errados. Por isso, vocês conseguem aquilo que acreditam.
Aproveito também para dizer, que se quiserem podem enviar mensagem para o IG: “fightmeninadeouro”, prometo que não demoro muito a responder, pois quero mesmo ajudar.
Agradeço também, a oportunidade para revelar esta minha fase, pois espero que abram os olhos e tenham aquele clique. Alem disso, estejam atentos á vossa volta, pois cada vez existem mais pessoas com distúrbios alimentares, e precisam de ajuda, mesmo que não queiram.
Beijinhos guerreiros!"